Miliumas

Miliumas
O livro em Movimento

quinta-feira, março 08, 2007

As cidades e suas musas - leitura cênica de Cidades Invisíveis de Ìtalo Calvino




evento MULHERES INVISÍVEIS
SESC Paulista 22 de março de 2007 .


Contação " As Cidades e suas musas " Do livro de Italo Calvino As Cidades Invisíveis da Cia das letras , com lembranças em Seis propostas para o próximo milênio também dele.


A contação foi realizada com o artista Edú Garudah no Sesc Paulista no dia 22 de março , para o público adulto.

Pode também ser realizado o evento com outros formatos :
Com uma oficina de pesquisa cênica e de imagens na internet , uma oficina multipla e explorando a possibilidade de mergulho em auto conhecimento através da viagem pela palavra de Calvino , numa poesia rica e leve, rechaeda de símbolos que nos remete à contemporaneidade e a mulher .A mulher na cidade, a mulher e sua cidade, a relações na cidade.São muitos os caminhos possíveis pela poesia de Calvino.

O caminho que aqui convido é em busca das musas leves e mensageiras de Paz deste novo milênio.


Necessidades tecnicas:
sala ampla
compuatdores ligados à net

LALAGE a cidade leve.

Poetry - “O termo Poetry significa no presente caso qualquer espécie de comunicação poéticas –literárias, musicais, figurativas-, sendo a escolha do tema completamente livre”. Ítalo Calvino em Seis Propostas para o próximo milênio também da Companhia das letras.

As cidades e suas musas –um evento de histórias , uma comunicação poética livre para compreender melhor a Cidade e sas mulheres.

Narração de Cidades Invisíveis Ìtalo Calvino
Música e narração Edú Garudah

“Nada garante que Kublai Kan acredite em tudo o que diz Marco Pólo ao descrever-lhe as cidades que visitou nas suas missões, mas a verdade é que o imperador dos tártaros continua a ouvir o jovem veneziano com maior atenção e curiosidade que a qualquer outro enviado seu ou explorador...”.

Aos pés do Grande Khan estendia-se um pavimento de maiólica, Marco Pólo, informante mudo, espalhava o mostruário de mercadorias trazidos de suas viagens aos confins do império:um elmo, uma concha, um coco , um leque. Dispondo os objetos numa certa ordem onde os azulejos brancos e pretos e, a partir daí, deslocando-os com movimentos estudados, o embaixador tentava representar aos olhos do monarca as vicissitudes de sua viagem, o estado do império, as prerrogativas de remotas capitais da província.

1-As cidades e a memória -Diomira
Partindo dali e caminhando por três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade de sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho , um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é quem chega numa noite de setembro , quando os dias e tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas , e de um terraço, ouve-se a voz de uma mulher que grita:uh!È levado a invejar aqueles que imaginavam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes.

2-As cidades e o desejo- Anastácia -
A três dias de distancia, caminhando em direção ao sul, encontra-se Anastácia, cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por pipas. Eu deveria enumerar as mercadorias que aqui se compram a preços vantajosos, ágata, ônix, crisopraso, e outras variedades de calcedônia, deveria louvar a carne do faisão dourado que aqui se cozinha na lenha da cerejeira e salpicada com muito orégano;falar das mulheres que vi tomar banho no tanque de um jardim e que às vezes convidam o viajante a despir-se com elas e persegui-las dentro da água .Mas com essas notícias não falaria da verdadeira essência da cidade ,:porque , enquanto a descrição de Anastácia desperta desejos que deverão ser reprimidos ,quem se encontra uma manhã em Anastácia desperta uma série de desejos que se despertam simultaneamente .A cidade aparece num todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte , e , uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares , não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer , Anastácia , cidade enganosa, , tem um poder , que às vezes se diz maligno e outro benigno:se você trabalha oito horas por dia como garimpado de ágatas, ônix, crisóprasos, a fadiga , que dá forma aos seus desejos toma dos desejos a sua forma , e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo.

-Você, que explora em profundidade, é capaz de interpretar os símbolos,saberia me dizer em direção a qual desses futuros nos levam os ventos propícios?
-Por esses portos eu não saberia traçar a rota nos mapas nem fixar a data da atracação.Às vezes basta-me uma partícula que se abre no meio de uma paisagem incongruente, um aflorar de luzes na neblina,o diálogo de dois passantes que se encontram no vaivém, para pensar que partindo dali construirei pedaço por pedaço a cidade perfeita, feita de fragmentos, misturados com o resto, de instantes separados por intervalos de sinais que alguém envia e não sabe quem capta. Se disser que a cidade para qual tende a minha viagem é descontínua no espaço e no tempo, ora mais rala, ora mais densa, você não deve crer que pode parar de procurá-la.Pode ser que enquanto falamos , ela esteja aflorando dispersa dentro dos confins do seu império, é possível encontrá-la mas da maneira que eu disse.

3-As cidades e o desejo-
Há duas maneiras de se alcançar Despina:de navio ou de camelo. A cidade se apresenta de forma diferente para quem chega por terra ou por mar .
O cameleiro que vê despontar no horizonte do planalto os pináculos dos arranha-céus , as antenas de radar , os sobressaltos das birutas brancas e vermelhas , a fumaça das chaminés , imagina um navio;sabe que é uma cidade mas imagina , como uma embarcação que pode afastá-lo do deserto, um veleiro que esteja para zarpar ,com o vento que enche a sua vela ainda não completamente solta , ou um navio a vapor com a caldeira que vibra na carena de ferro , e imagina todos os portos , as mercadorias ultramarinas que os guindastes descarregam no cais, as tabernas que as tripulações de diferentes bandeiras quebram garrafas na cabeça umas das outras , as janelas térreas iluminadas , cada uma com uma mulher que se penteia.
Na neblina costeira, o marinheiro distingue a forma de um camelo, de uma sela bordada de franjas refulgentes entre duas corcundas malhadas que avançam balançando;sabe que é uma cidade, mas imagina como um camelo de cuja albarda pendem odres e alforjes de fruta cristalizada , vinho de tâmaras , folhas de tabaco , e vê-se ao comando de uma longa caravana que o afasta do deserto do mar rumo a um oásis de água doce à sobra cerrada das palmeiras, rumo a palácios de espessas paredes caiadas, de pátios azulejados onde as bailarinas dançam e movem os braços para dentro e para fora do véu.
Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe;é assim que o cameleiro e o marinheiro vêem Despina, cidade de confim entre dois desertos.

4-A cidade e a memória –Isidora
O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de encontrar uma cidade .Finalmente chega a Isidora , cidade onde os palácios têm escadas em coral, incrustadas de caracol marinho,onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está em dúvida entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galos se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas estas coisas quando desejava uma cidade. Isidora é pois a cidade de seus sonhos :com uma diferença .A cidade sonhada o possuía jovem, em Isidora chega-se em idade avançada .Na praça há o murinho dos velhos , que vêem a juventude passar , ele está sentado ao lado deles .Os desejos agora são recordações.
5-As cidades e o desejo- Zobeide – Quero vê-la lambuzada de Dendê.
Naquela direção, após seis dias e sete noites, alcança-se Zobeide, cidade branca, bem exposta à luz, com ruas que se giram em torno de si mesma como um novelo. Conta-se isto da sua fundação:
Homens de nações diferentes tiveram o mesmo sonho , viram uma bela mulher correr de noite por uma cidade desconhecida. De costas com longos cabelos estava nua. Sonharam que a perseguiam. Corriam de um lado para o outro mas ela os despistava .Após o sonho partiram em busca daquela cidade , não a encontraram mas encontraram-se uns aos outros.Decidiram então construir uma cidade como a do sonho.Na disposição das ruas cada um refez o percurso da sua perseguição; no ponto em que tinha perdido o rasto da fugitiva construiu paredes de modo que ela já não lhe pudesse fugir.a cidade era Zobeide,onde se instalaram na esperança de que uma noite a cena se repetisse .Os homens esperaram na cidade que essa noite se repetisse, mas nenhum deles, nem em sonhos, reviu a mulher.As ruas da cidade eram aquelas que levavam ao trabalho todas as manhãs, sem qualquer relação com a perseguição do sonho. Que, por sua vez, tinha sido esquecido havia muito tempo.
Chegaram novos homens de novos países, que haviam tido um sonho como o deles, e na cidade de Zobeide reconheciam algo nas ruas do sonho , e mudavam de lugar pórticos e escadas para que o percurso ficasse mais parecido com o sonho e para que no ponto que ela desaparecesse não lhe restasse mais escapatória .
Os recém chegados não compreendiam o que atraía essas pessoas a Zobeide , uma cidade feia, uma armadilha.
No silêncio:

Kublai era um atento jogador de xadrez;seguindo os gestos de Marco , observava que certas peças implicavam ou excluíam a proximidade de outras peças e deslocavam-se de acordo com certas linhas .Trans curando a variedade das formas , ele definia a disposição de um objeto em relação ao outro sobre o pavimento de maiólica. Pensou: “Se cada cidade é como uma partida de xadrez, o dia em que eu conhecer as suas regras finalmente possuirei o meu império, apesar de que jamais conseguirei conhecer todas as cidades que este contém"

6-As cidades e as trocas –Cloé

Em Cloé, cidade grande, as pessoas que passam pelas ruas não se reconhecem. Quando se vêem imaginam mil coisas que o respeito umas das outras , os encontros que poderiam ocorrer entre elas , às conversas, as surpresas , as carícias , as mordidas .Mas ninguém se cumprimenta , os olhares se cruzam por um segundo e depois se desviam , procuram outros olhares , ao se fixam.
Passa uma moça balançando uma sombrinha apoiada no ombro, e um pouco das ancas também .Passa uma mulher vestida de preto qu e demonstra toda sua idade , com os olhos inquietos debaixo do véu e o s lábios tremulantes .Passa um gigante tatuada, um homem jovem com cabelos brancos, um anã, duas gêmeas vestidas de coral .Corre alguma coisa entre eles , uma troca de olhares como se fosse linha que ligam uma figura á outra e desenham flechas , estrelas, triângulos , até esgotar num instante todas as combinações possíveis e outras personagens entram em cena , um cego com um guepardo na coleira, uma cortesã com um leque de penas de avestruz , um efebo, uma mulher canhão .assim entre aqueles que por acaso procuram abrigo da chuva, sob o pórtico, ou aglomeram-se sob uma tenda de bazar , ou param para ouvir a banda da praça . Consumam-se encontros , seduções, abraços , orgias , sem que se troque uma palavra, sem que se toque um dedo , quase sem levantar os olhos.
Existe uma contínua vibração luxuriosa em Cloé, a mais casta das cidades. Se os homens e as mulheres começassem a viver os seus sonhos efêmeros, todos os fantasmas se tornariam reais e começaria uma história de perseguições, de ficções. De desentendimentos, de choques de opressões, e o carrossel das fantasias teria fim.

7-As cidades e os olhos- Valdrada

Os antigos construíram Valdrada à beira de um lago com casas repletas de varandas sobrepostas e com ruas suspensas sobre a água desembocando em parapeitos balaustrados. Deste modo o viajante ao chegar, depara-se com duas cidades, uma perpendicular sobre o lago e a outra refletida de cabeça para baixo. Nada existe e nada acontece na primeira Valdrada sem que se repita na segunda , porque a cidade foi construída de tal modo que cada um dos seus sete pontos fosse refletido por seu espelho, e a Valdrada na água contém não somente todas as acalanaduras e relevos e fachadas que se elevam sobre o lago mas também o interior das salas com os tetos e os pavimentos e perceptiva dos corredores, os espelhos dos armários.
Os habitantes de Valdrada sabem que todos os seus atos são simultaneamente aquele ato e a sua imagem especular, que possua a especial dignidade de imagens e essa consciência impede-os de abandonar-se ao acaso e ao esquecimento mesmo que por um único instante. Quando os amantes com os corpos nus rolam pele contra pele à procura da posição mais prazerosa ou quando os assassinos enfiam a faca nas veias escuras do pescoço e quanto mais a lâmina desliza entre os tendões mais o sangue escorre, o que importa não é tanto o acasalamento ou o degolamento, mas o degolamento e o acasalamento de suas imagens frias e límpidas no espelho.
Às vezes o espelho aumenta o valor das coisas, às vezes anula. Nem tudo o que parece valer acima do espelho resiste a si próprio refletido no espelho. As duas cidades gêmeas não são iguais , porque nada do que acontece em Valdrada é simétrico:para cada face ou gesto, há uma face ou gesto correspondente e invertido ponto por ponto no espelho. As duas Valdradas vivem uma para outra, olhando –se ns olhos continuamente,mas sem se amar.

Risadinhas das crianças

O Grande Klan sonhou com uma cidade –descreveu-
-As suas cidades não existem. Talvez nunca tenham existido. Certamente nunca existirão. Por que me enganar com essas fábulas consolatórias?Sei perfeitamente que meu império apodrece como um cadáver no pântano que contagia tanto os corpos que o bicam quanto os bambus que crescem adubados por seu corpo em decomposição. Por que não me fala disto . Por que mentir para o imperador dos tártaros estrangeiro?
Pólo reiterava o mau humor do soberano

... -Sim o império está doente e , o que é pior, procura habituar-se às suas doenças. O propósito das minhas explorações é o seguinte:perscrutando os vestígios da felicidade que ainda se atrevem, posso medir o grau de penúria. Para descobrir quanta escuridão existe em torno , é preciso concentrar o olhar nas luzes fracas e distantes.

Mas as cidades visitadas eram sempre diferentes das imaginadas pelo imperador.

.”..Outras vezes o Kan era acometido de sobressaltos de euforia . Ficava de pé sobre as almofadas media com longas passadas os tapetes estendidos sobre os canteiros, debruçava-se nos balaústres dos terraço para abranger com os olhos deslumbrados a extensão dos jardins do palácio real iluminados por lanternas penduradas nos cedros.”


8-As cidades delgadas-
Se quiserem acreditar, ótimo. Agora contarei como é feita Otávia, cidade teia de aranha .Existe um precipício no meio de duas montanhas,escarpadas:a cidade fica no vazio, ligada aos dois cumes por fios e correntes e passarelas. Caminha-se em trilos de madeira, atentando para não enfiar o pé nos intervalos, ou agarra-se aos fios de cânhamo , abaixo não há nada por centenas e centenas de metros:passam algumas nuvens;mais abaixo, entrevê-se o fundo do desfiladeiro.
Essa é a base da cidade:uma rede que serve de passagem e sustentáculo. Todo o resto, em vez de elevar-se , está pendurado para baixo :escadas de corda, redes , casas em forma de saco,varais, terraços com as formas de gavetas,odres de água,bicos de gás,assadeiras,cestos pendurados com barbantes, monta-cargas, chuveiros, trapézios e anéis para jogos, teleféricos, lampadários,vasos com plantas de folhagens pendentes. Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta que a de outras cidades. Sabem que a rede não resistirá mais que isso.

Marco Pólo descreve uma ponte, pedra por pedra. pedra arnaldo
-Mas qual é a pedra que sustenta a ponte?-pergunta Kublai Kan.
-A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra- responde Marco-,mas pela curva do arco que elas formam.
Kublai Kan pemanece em silêncio, refletindo.depois acrescenta:
-Por que falar das pedras?Só o arco me interessa.
Pólo responde:
-Sem as pedras o arco não existe.


Não sei quando você encontrou tempo de visitar todas essas cidades que me descreve , a impressão que tenho é que nunca saiu deste jardim.

9-As cidades e o nome- Clarisse

Clarisse, cidade gloriosa tem uma história atribulada .Diversas vezes caiu e diversas vezes floresceu, mantendo sempre a primeira Clarisse como inigualável modelo de todos os es, a qual, comparada com o atual estado da cidade, não deixa de suscitar suspiros a cada giro de estrelas.
Nos séculos de degradação, a cidade esvaziada por causa das pestilências, reduzida em estatura por causa do desabamento de traves e cornijas e do desmoronamento de terras , enferrujada e bloqueada por negligência ou por férias dos funcionários da manutenção , repovoa-se lentamente com hordas de sobreviventes emersos de sótãos e covas como fervidos ratos movidos pelo afã de resolver e roer e que ao mesmo tempo se reúnam e se ajeitavam como passarinhos num ninho. Agarra-se a tudo que podia ser retirado de onde estava e colocado em outro lugar com uma outra utilidade:as cortinas de brocado terminavam por servir de lençóis, nas urnas cinelárias de mármore , plantavam manjericão;as grades de ferro batido arrancadas das janelas dos gineceus eram usadas assar carne de gato em fogo de lenha marchetada. Montada com os pedaços avulsos de Clarisse imprestável, tomava forma de uma Clarisse da sobrevivência, repleta de covis e casebres, córregos infectadas, gaiolas de coelhos. Todavia , não se perdera quase nada do antigo esplendor de Clarisse, estava tudo ali, apenas disposto de maneira diversa mas não menos adequada às exigências dos seus habitantes.
Os tempos de indigência eram sucedidos por épocas mais alegres:uma suntuosa Clarisse-borboleta saía da mísera Clarisse- crisálida;a nova abundância fazia acidade extravasar de novos materiais edifícios objetos;afluía gente nova de fora;nada e ninguém tinham a ver com a Clarisse ou as Clarisses anteriores ;e,quanto mais se estabelecia triunfantemente no lugar e com o nome da primeira Clarisse, mais a nova cidade percebia afastar-se desta, destruí-la com a velocidade dos ratos e do mofo:apesar do orgulho do novo fausto, no fundo do coração sentia-se estranha, incongruente, usurpadora.
Eis então os fragmentos do primeiro esplendor, que haviam se salvado, adaptando-se as necessidades mais obscuras sendo novamente deslocado, ei-los protegidos sob recipientes de vidro, trancados em vitrinas, apoiados sobre travesseiros de veludo e não mais porque ainda podiam servir para alguma coisa , mas porque por meio deles seria possível reconstruir uma cidade sobre a qual ninguém sabia mas nada .
Seguiram-se outras deteriorações e outras pujanças em Clarisse. As populações e os costumes mudaram diversas vezes ; resta o nome , o lugar em que está situado , o objeto mais resistente. Cada uma das novas Clarisses, compacta como um ser vivo com seus odores e sua respiração, ostenta como um colar aquilo que resta das novas clarisses fragmentárias e mortas. Não se sabe quando os capitéis coríntios estiveram em cima das suas colunas recorda-se somente que por muitos anos um deles serviu de apoio num galinheiro para a cesta de onde as galinhas punham ovos e que dali passou para o Museu dos Capitéis ao lado de outros exemplares da coleção. A ordem de sucessão das épocas havia se perdido; que existiu, ima primeira Clarisse é uma crença muito difundida, mas não existem provas para demonstrá-lo ;os capitéis podem ter estado primeiro nos galinheiros e depois nos templos , as urnas de mármore podem ter sido semeadas primeiro de manjericão e depois de ossos de defunto. Sabe-se com certeza apenas o seguinte:um certo número de objetos desloca-se num certo espaço , ora submerso por uma grande quantidade de novos objetos, ora consumido sem ser reposto;a regra é sempre misturá-los e tentar recolocar no lugar. Talvez Clarisse sempre tenha sido apenas umas misturas de bugigangas espedaçadas, pouco sortidas, obsoletas.

10-As cidades contínuas- Leônia-
A cidade de Lêonia refaz a si própria todos os dias:a população acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com sabonete recém tirados das embalagens, veste roupões novíssimos, entrai das mais avançadas geladeiras latas ainda intactas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de rádio.
Nas calçadas , envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos de Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos retorcidos de pastas de dente, lâmpadas queimadas, jornais , recipientes, materiais de embalagem, mas também , aquecedores, enciclopédias, pianos , aparelhos de jantar de porcelana :mais do que pelas coisas que todos os dias são fabricadas, vendidas, compradas, a opulência de Leônia se mede pelas coisas que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia é de fato, como dizem , o prazer das coisas novas e diferentes , e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza recorrente certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito que inspira a devoção , ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde que os lixeiros levam os seus carregamentos:para fora da cidade, sem dúvida;mas todos os anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar para mais longa;a impotência dos tributos aumenta e os impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um perímetro mais amplo. Acrescente-se que, quando mais Leônia, se supera na arte de fabricar lixo, resistindo ao tempo , às intempéries , à fermentação e combustão.È uma fortaleza de rebotalhos indestrutíveis que circunda Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lado de lá de sua cumeeira, por depósito de lixo de ouras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. Talvez o mundo inteiro, além dos confins de Leônia , seja recoberto por crateras de imundice, cada uma com uma metrópole no centro em ininterrupta erupção. os confins entre cidades desconhecidas e inimigas são bastões infectados m que os detritos de uma e de oura escoram-se reciprocamente, superam-se, misturam-se.
Quanto mais cresce em altura, maior a ameaça de desmoronamento:basta que um vasilhame , um pneu velho, um garrafão de vinho se precipitem do lado de Leônia e uma avalanche de sapatos desemparelhados, calendário de anos decorridos e flores secas afunda a cidade no passado que em vão tentava repelir, misturado com o das cidades limítrofes, finalmente eliminada- um cataclismo irá aplainar a sórdida cadeia montanhosa, cancelar qualquer vestígio da metrópole sempre vestida de novo. Já nas cidades vizinhas, estão prontos os rolos compressores para aplainar o solo, estender-se no novo território, alargar-se, afastar os novos depósitos de lixo.


11-As cidades e o céu-

Quando se chega a Tecla, pouco se vê da cidade, escondida atrás dos tapumes, das defesas de pano, dos andaimes, das armaduras metálicas, das pontes de madeira suspensas por cabos ou apoiadas em cavaletes, das escadas de corda , dos fardos de juta.À pergunta:Por que a construção de Tecla prolonga-se por tanto tempo?, os habitantes , sem deixar de içar baldes, de baixar cabos de ferros , de mover longos pincéis para cima e para baixo respondem:
-Para que não comece a destruição, questionados se temem que após a retirada dos andaimes a cidade comece a desmoronar e a despedaçar-se , acrescentam rapidamente , sussurrando:-Não, só a cidade.
Se, insatisfeito, com as respostas , alguém espia através dos cercados , vê guindastes que erguem outros guindastes , armações que revestem outras armações, traves que escoram outras traves.
-Qual o sentido de tanta construção?-pergunta o objetivo de uma cidade em construção senão uma cidade?Qual o plano que vocês seguem, o projeto?]-Mostraremos assim que terminar a jornada de trabalho;agora não podemos ser interrompidos;-respondem.
O trabalho cessa ao pôr –do- sol. A noite cai sobre os canteiros de obras.È uma noite estrelada .
-Eis o projeto- diz.


-Eu falo, falo –diz Marco mas quem me ouve retem apenas as palavras que deseja
Uma coisa é a descrição do mundo á qual você empresta sua especial atenção , outra é a que correrá os campanários de descarregadores e gondoleiros às margens do canal diante da minha casa no dia do meu retorno, outra ainda a que poderia ditar em idade avançada se fosse aprisionado por piratas genoveses e colocada aos ferros na mesma cela de um escriba de romances de aventura. .Quem comanda a narração não é a voz : é o ouvido.

-Viajando percebe-se que as diferenças desaparecem;uma cidade vai se tornando parecida com todas as cidades.

O atlas do Grande Klan também contém os mapas de terras prometidas visitadas na imaginação ma ainda não descobertas ou fundadas:A Nova Atlântica,Utopia,a Cidade do Sol,Oceana,Tamoé,Harmonia,New –Lanark,Içaria.
Kublai perguntou a Marco:


“È o seu próprio peso que está esmagando o império”e em seus sonhos agora aparecem cidades leves como pipas, cidades esburacadas como rendas, cidades transparentes como mosquiteiros,cidades fibras de folhas, cidades-linha-da-mão, cidades- filigrana que vêem através de sua espessura opaca e fictícia.

-Como a que sonhei esta noite- disse Marco- em meio a uma terra plana e amarela, salpicada de meteoritos e massas erráticas , vi erguerem-se a distância as extremidades de uma cidade de pináculos de tênue, feitas de modo que a lua em sua viagem possa pousar ora num pináculo ora noutro ou oscilar pendurada nos cabos de guindastes.

E Pólo:

-A cidade que você sonhou é Lalage. Os habitantes dispuseram esses convites a uma parada no céu noturno para que a lua permita a cada coisa da cidade crescer e recrescer indefinidamente.
-Há algo que você não sabe-acrescentou o Klan.- Agradecida , a lua concedeu à cidade de Lalage um privilégio ainda mais raro:crescer com leveza.

O Grande Klan já havia folheado em seu Atlas os mapas das ameaçadoras ciddaes que surgem nos pesadelos e nas maldições: Enoch,Babilôbia.Yahoo,Butua,Brave New Orld.
Disse:
È tudo inútil, se o último porto só pode ser a cidade infernal, que está lá no fundo e que nos suga num vórtice cada vez mais estreito.
E Pólo no fundo silencioso :
-O inferno dos vivos, não é algo que será; se existe, é aquele que está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte dele até o ponto de deixar de percebê-lo.A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem continua: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.


Tecka- “Se quisesse escolher um símbolo votivo para saudar o novo milênio , escolheria este:o salto ágil e imprevisto do poeta –filósofo que sobreleva o peso do mundo , demonstrando que sua gravidade detém o segredo da leveza , enquanto que aquela que julgam ser a vitalidade dos tempos, estrepitante e agressiva , espezinhadora e estrondosa, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis enferrujado.”

com muitas plumas leves e leves
Tecka e grupo vai despedindo com penas muito leves que saem do livro e são distribuídos pelos ouvintes.

saindo..
O Salto ágil e imprevisto do poeta filósofo que sobreleva o peso do mundo , demonstrando que na sua gravidade detém o segredo da leveza ...

Cidades Invisíveis de Italo Calvino , tradução Diogo Minardi, -São Paulo Companhia das letras 1990

Seis Propostas para o próximo milênio, tradução Ivo Barroso , -São Paulo Companhia das letras
1990


Para adquirir os livros maravilhosos:

www.companhiadasletras.com.br

Boa Viagem
Viagem na leitura , nos símbolos na riqueza de Calvino.

Arquivo do blog